*Homens e cuidados de saúde em famílias empobrecidas na Amazônia*
RESUMO
Investigamos o lugar do homem em relação aos cuidados com saúde, em famílias de baixa renda no contexto amazônico. Utilizamos 11 entrevistas com eles e suas famílias e com 21 profissionais de Saúde sobre eles e observação dos contextos em que vivem e dos processos de utilização e atendimento dos serviços. [...] Verificamos que os homens cuidam predominantemente da saúde de si e da família a partir dos papéis socialmente tradicionais que lhes são atribuídos. O cuidado de si para eles é, em geral, emergencial, superficial e mediado pela mulher. Já o cuidado com os outros está voltado para o cumprimento do papel de provedor. Fogem desse padrão, homens em que predomina a cultura indígena e jovens com visão social e familiar mais moderna. Via de regra, os parentes reforçam as principais tendências culturais do comportamento masculino a respeito dos cuidados com a saúde. Os profissionais, por sua vez, tendem a desqualificar as reivindicações masculinas, buscando equivocadamente combater o machismo, e falham em reconhecer diferenças pautadas em repertórios culturais.
Modos de Cuidar de Si
Poucos entrevistados consideraram que homens já conquistam sua autonomia no cuidar de si, ao contrário do que constatamos na família F6 em que a avó já idosa (80 anos) comenta "Os homens não querem mais mulher, maninha. Não precisam de mulher para cuidar deles não: fazem comida, trabalham, fazem tudo!". [...] Pois prevalece entre os entrevistados do grupo familiar, a opinião de que "homem não se cuida". "Ele manda ela [a companheira] se cuidar, mas ele não se cuida" (P15 - ACS, 32 anos, feminino). Tal como Gomes e colaboradores (2007), entendemos então, que o autocuidado não é assumido como prática pertinente a sua identidade de gênero e não faz parte dos atributos masculinos historicamente construídos. Ao contrário, há uma associação do cuidar com o universo feminino. Mesmo na família 11, acima citada, a esposa analisa que o marido "exagera" ao fazer 500 abdominais e corridas todos os dias ao "fica[r] todo tempo naquele negócio lá [aparelhos de ginástica da praça], [e que] depois fica com o corpo todo doído." [...] Na verdade, pudemos observar que existe nesses homens que dizem se cuidar, uma associação equivocada entre "fisiculturismo" e saúde, produzindo-se assim uma noção superficial e inócua do autocuidado e que pode se transformar em risco de adoecimento (Schraiber e col., 2005). Braz (2005), dentre outros, usando esta mesma perspectiva que aponta fragilidades de gênero na saúde, chama a atenção para o fato de que homens morrem mais, mais cedo, recorrem menos ao consultório médico, apresentam doenças mais graves e vivenciam mais episódios de emergência hospitalar.
Por sua vez, os profissionais de saúde entrevistados retratam os homens que chegam aos serviços de atenção primária, comentando sobre sua indisciplina, resistência à mudança de hábitos, de sua falta de paciência e rebeldia contra as prescrições médicas, de sua dificuldade para relaxar e de sua indiferença em relação às necessidades de saúde, quer próprias quer alheias, "não gostam de médico nem de dieta. Teimosos, não querem saber de nada!" (P5 - ACS, 34 anos, feminino) […].
Percebemos, pelas entrevistas, que o não cuidado consigo, por parte dos homens, geralmente está associado ao foco da função de provedor, o que requer que seja forte e corajoso. Um deles conta sobre suas ponderações ao ser advertido pela esposa de que precisava avaliar os perigos que o trabalho muito pesado significava para sua saúde: "Mas toda vez eu fico pensando, esse é serviço de homem, eu tenho que fazer meu papel de homem, eu pego o serviço, aí eu acabo me dando mal" (F11 - Marido, 23 anos). O trabalho masculino inimigo da boa saúde é retratado como aquele que "mói e quebra os ossos", do qual se chega extremamente cansado, mas que mesmo assim deve ser mantido, para que não se coloque em risco o sustento da família.
"Os homens são muito instintivos, eles pensam em sexo, comida, tomar cerveja e paquerar outra mulher. Não estão para poesia, não!" (P8 - Enfermeira, 42 anos). Dessa forma a profissional metaforicamente considera os cuidados de saúde aos atributos de sensibilidade, tato e arte necessários para seu exercício. Essa visão estereotipada de gênero aparece nas falas não só de profissionais de nível escolar elementar, mas também nos de nível superior. Segundo Machin e colaboradores (2011) os próprios profissionais acabam assim por reproduzir a ideia de que os ambientes dos serviços são "espaços feminilizados", o que dificulta a aproximação masculina.
GUTIERREZ, Denise Machado Duran; MINAYO,
Maria Cecília de Souza; OLIVEIRA, Kátia Neves Lenz César de. Homens e
cuidados de saúde em famílias empobrecidas na Amazônia. Saude soc., São Paulo ,
v. 21, n. 4, p. 871-883, dez. 2012.